A Anvisa aprovou o registro sanitário de um novo produto de terapia gênica no Brasil, baseado em Células T modificadas para expressarem receptores de antígenos quiméricos (CAR, do inglês chimeric antigen receptor). Trata-se do Carvykti® (ciltacabtageno autoleucel), da empresa Janssen-Cilag Farmacêutica Ltda.
O tratamento é destinado para pacientes com mieloma múltiplo que não responderam ao tratamento com as três classes de medicamentos indicados para esse tipo de câncer (agentes imunomoduladores, inibidores de proteassoma e anticorpos monoclonais) e cuja doença voltou e já não responde aos tratamentos disponíveis.
O mieloma múltiplo é um câncer raro das células plasmáticas, um tipo de glóbulo branco que produz anticorpos e é encontrado na medula óssea. A doença é caracterizada pela proliferação fora de controle dessas células, resultando em células plasmáticas anormais e imaturas na medula óssea. Quando essas células se tornam malignas (câncer), elas não protegem mais o corpo de infecções e produzem proteínas anormais que podem causar problemas que afetam os rins, os ossos ou o sistema sanguíneo.
Como funciona o Carvykti®?
As células T do paciente são coletadas no serviço de saúde especializado e enviadas para um centro de fabricação certificado, onde são geneticamente modificadas para incluir um novo gene que contém uma proteína específica (um receptor de antígeno quimérico – CAR) que direciona essas células T para atingir e matar células do câncer que apresentam um antígeno específico denominado BCMA – uma proteína encontrada nas células do mieloma. Isso leva à remoção de células que expressam BCMA, eliminando assim as células cancerígenas. Trata-se, portanto, de um tratamento personalizado.
Eficácia do tratamento e estudo clínico
A segurança e a eficácia do produto (ciltacabtageno autoleucel) foram avaliadas por meio de ensaio clínico multicêntrico com 97 pacientes com mieloma múltiplo recidivante (que reaparece algum tempo após o tratamento) ou refratário (resistente) que receberam pelo menos três linhas de terapia anteriores e que tiveram progressão da doença durante ou após o último regime de quimioterapia.
A eficácia foi estabelecida com base na taxa de resposta geral e na duração da resposta. A taxa de resposta global foi de 97,9%. Isso significa que 97,9% dos pacientes do estudo responderam positivamente ao tratamento, atendendo os parâmetros que medem a ausência de células cancerígenas e que apontaram situação clínica estável para os pacientes.
Entre os 95 pacientes que responderam positivamente, a duração mediana da resposta foi de 21,8 meses. Ou seja, os pacientes tiveram um período médio de 21 meses sem que houvesse indicação de retorno do câncer.
A Anvisa informa que em breve será divulgada a bula do produto, bem como serão divulgadas informações no portal da Agência sobre as bases técnicas para a aprovação do Carvykti® e será emitido o “Parecer Público de Avaliação do Produto de Terapia Avançada”, após a ocultação de qualquer informação de natureza comercial ou confidencial.
Como foi a avaliação da Anvisa?
O medicamento especial produzido à base de células modificadas do tipo CAR-T é uma abordagem tecnológica inovadora, que requer desenvolvimento e monitoramento complexos. As análises de registro sanitário do Carvykti® foram realizadas pela Agência com base nas informações regulatórias e científicas enviadas pela empresa, destacando dados sobre:
- Perfil de segurança e prova de conceito (dados de experimentos pré-clínicos).
- Perfil de segurança e de eficácia (dados de estudos clínicos realizados).
- Processo de obtenção do material de partida (células T do paciente) por metodologia padronizada de coleta e criopreservação.
- Produção em larga escala, com requisitos de qualidade e boas práticas de fabricação.
- Estudos de estabilidade e mecanismos de distribuição do produto no Brasil, bem como processos controlados de exportação do material de partida e importação do produto pronto para uso.
- Estratégias para orientações e precauções de cuidados especiais ao paciente.
- Mecanismos de monitoramento e gerenciamento de riscos após a administração do produto aos pacientes no Brasil e demais requisitos aplicáveis de farmacovigilância.
O processo de fabricação dos componentes ativos (vetores virais utilizados no processo de modificação genética das células) e do produto final receberam a Certificação de Boas Práticas de Fabricação (CBPF) da Anvisa, concluindo que o processo de fabricação do Carvykti® demonstra ter qualidade consistente e controlada.
Os benefícios do Carvykti® são uma resposta eficiente e durável em pacientes com mieloma múltiplo recidivado (que voltou a se manifestar) e refratário (resistente), sendo que as reações adversas mais comuns observadas têm boa resposta com adequado manejo clínico.
Dessa forma, a Agência decidiu que o produto é seguro, tem qualidade e promove a eficácia pretendida, sendo os benefícios do ciltacabtageno autoleucel superiores aos seus riscos.
O registro do Carvykti® foi aprovado considerando que o medicamento especial será utilizado em uma condição grave debilitante, em situações de inexistência de tratamento para o estágio da doença, e que o balanço benefício-risco da disponibilidade imediata do produto superará o fato de ainda serem necessários dados adicionais de acompanhamento de longo prazo.
Assim, foi firmado um Termo de Compromisso entre a empresa Janssen e a Anvisa para o envio de dados provenientes do estudo de acompanhamento da eficácia e segurança do produto em longo prazo, conforme recomendação internacional para produtos desta categoria terapêutica. Além disso, a empresa se compromete a atualizar a Agência sobre o monitoramento dos outros estudos que estão em andamento com o produto, de forma regular e periódica.
Prazos
Desde a submissão dos documentos pela Janssen à Anvisa até a publicação do deferimento final foram 334 dias corridos, considerando-se os prazos de análise da equipe da Agência (262 dias), das respostas ao cumprimento das exigências por parte da empresa (71 dias) e das inúmeras reuniões técnicas com representantes nacionais e internacionais da empresa.
O Carvykti® também foi aprovado, em 28 de fevereiro deste ano, pela agência reguladora dos Estados Unidos (Food and Drug Administration – FDA), que levou aproximadamente 335 dias corridos para aprovar o produto. Já o Comitê de Medicamentos de Uso Humano (Committee for Medicinal Products for Human Use – CHMP da agência reguladora europeia (European Medicines Agency – EMA) emitiu parecer positivo no último dia 24 de março, recomendando a concessão do registro do Carvykti® na Comunidade Europeia.
Cuidados especiais ao paciente
As principais preocupações de segurança do produto dizem respeito à síndrome de liberação de citocinas (SLC), que é uma resposta sistêmica à ativação e à proliferação de células CAR-T, causando febre alta e sintomas semelhantes aos da gripe, infecções e encefalopatia, ou seja, um distúrbio cerebral. As consequências da SLC são graves e, em alguns casos, até fatais. Além disso, outros aspectos importantes de segurança são toxicidade neurológica, citopenia prolongada e infecções graves. As estratégias de monitoramento e mitigação desses efeitos secundários são parte fundamental do plano de gerenciamento de risco definido pela Agência no processo de registro.
Também foram acordadas entre a Janssen e a Anvisa medidas de responsabilização que deverão ser providenciadas para o sucesso dessa terapia no Brasil, destacando-se as seguintes:
- o treinamento dos profissionais de saúde envolvidos no manejo do produto e dos eventos adversos relacionados ao seu uso, e na atenção ao paciente;
- a qualificação específica para os serviços de saúde que irão coletar e manipular o material de partida, bem como preparar, administrar e monitorar o paciente;
- a educação dedicada ao paciente e familiares com orientações pós-uso do produto; e
- um rigoroso processo de logística que garanta a manutenção da qualidade e da rastreabilidade de toda a cadeia produtiva do Carvykti® e de cuidado ao paciente.
Informação da liberação da CTNBio para organismos geneticamente modificados
Este produto também foi avaliado e aprovado como um derivado de organismo geneticamente modificado (OGM) pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. No âmbito das competências do art. 14 da Lei 11.105/2005, a CTNBio considerou que as medidas de biossegurança propostas pela empresa Janssen-Cilag Farmacêutica Ltda. (CQB: 470/19) atendem às normas e à legislação pertinente, que visam garantir a biossegurança do meio ambiente, agricultura, saúde humana e animal, sendo a atividade não potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente ou da saúde humana.
Produto de terapia avançada
É uma categoria especial de medicamentos inovadores que compreende os produtos de terapia celular avançada, os produtos de engenharia tecidual e os produtos de terapia gênica. Esses medicamentos estão sendo desenvolvidos a partir de biotecnologia avançada, utilizando células e genes humanos com a promessa de atender demandas terapêuticas e de qualidade de vida relacionadas a doenças raras e sem alternativas terapêuticas.
Produto de terapia gênica
Do ponto de vista regulatório, é um produto de origem biológica cujo componente ativo contém ou consiste em ácido nucleico recombinante, podendo ter o objetivo de regular, reparar, substituir, adicionar ou deletar uma sequência genética e/ou modificar a expressão de um gene humano, com vistas a um resultado terapêutico, preventivo ou de diagnóstico.
Há dois tipos desses produtos:
- produto de terapia gênica in vivo, quando o produto é um gene terapêutico, carreado por determinado vetor, que será administrado diretamente no paciente;
- produto de terapia gênica ex vivo, quando o processo de introdução do gene-alvo, por meio de vetores, é realizado em laboratório, em células específicas, para promover sua modificação genética; posteriormente é formulado um produto com suspensão dessas células modificadas, que serão então administradas ao paciente. Assim, o Carvykti® é um produto de terapia gênica ex vivo.
Fonte: Anvisa